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Linha Direta

Argentina começa a debater emergência econômica com medida que afetará o Brasil

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O governo argentino vai enviar nesta terça-feira (17) ao Congresso o projeto da chamada "Lei de Solidariedade e de Reativação Econômica", que busca arrecadar mais por meio de novos impostos ou de aumentos de outras taxas. Um desses impostos cria o dólar turismo, 30% acima do comercial, afetando diretamente os planos de viagens de argentinos para o Brasil.

Argentina começa a debater pacote de medidas que busca arrecadar mais através de novos impostos ou de aumentos de outros.
Argentina começa a debater pacote de medidas que busca arrecadar mais através de novos impostos ou de aumentos de outros. REUTERS/Marcos Brindicci/File Photo
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Correspondente da RFI em Buenos Aires

O pacote prevê a declaração da “emergência econômica”, um instrumento através do qual o governo passa a ter poderes para tomar decisões sem precisar passar pelo Congresso. Essas medidas sobre preços de tarifas de serviços públicos, ou mudanças no cálculo sobre aumento nas aposentadorias, são a plataforma sobre a qual se sustenta o plano econômico do presidente Alberto Fernández, que completa nesta terça-feira a sua primeira semana de governo.

O objetivo principal é o de gerar recursos ao Estado, taxando tudo o que se relacionar com o exterior: exportações agrícolas, compras dos argentinos em moeda estrangeira, propriedades e depósitos no estrangeiro.

Com uma escassez de dólares e sem crédito internacional, a Argentina precisa gerar os seus próprios recursos, sem ter que contar com o Fundo Monetário Internacional (FMI) nem com os credores privados com os quais pretende negociar uma moratória.

Medida atinge viajante argentino, principal turista estrangeiro no Brasil

A antecipação do pacote provocou uma disparada imediata de 8,6% na cotação do dólar paralelo com tendência de alta. Uma das medidas afeta diretamente o turismo no exterior e o país para onde os argentinos mais viajam é justamente o Brasil.

Buenos Aires vai criar um novo imposto sobre os gastos dos argentinos em moeda estrangeira, batizado de “Dólar Turismo”. Se no Brasil, o dólar turismo está 4% acima do dólar oficial, na Argentina estará 30% acima. É como se a moeda americana no Brasil valesse, de um dia para o outro, R$ 5,40. Na Argentina, o dólar comercial está em 63 pesos e o dólar turismo será de 82 pesos.

"A pressão sobre o dólar paralelo será cada vez maior, especialmente enquanto estiver abaixo dos 82 pesos. Está mais barato o câmbio ilegal do que o futuro câmbio turismo", comparou o analista econômico Damián Di Pace.

Na prática, a Argentina terá uma nova desvalorização com tendência de que o dólar turismo seja o dólar de referência para os preços internos porque é o dólar ao qual os argentinos terão acesso. Atualmente, os argentinos só podem comprar, legalmente, até US$ 200 mensais.

"Além de arrecadar mais, a intenção do governo é diminuir a saída de dólares ao exterior e incentivar o turismo interno", aponta Di Pace. "O novo câmbio não é só para aqueles que viajam ao exterior, mas também para os que usam serviços de streaming (NetFlix ou Spotify), compram pela Internet em páginas do exterior, consomem materiais de leitura de fora, viajam a negócios ou estudam no estrangeiro", explica. "Os gastos que atribuem ao turismo não são de turismo. Na Argentina, todo gasto no exterior, de forma presencial ou virtual, cai na conta de turismo. Pelos nossos cálculos, 75% são e-commerce", acrescenta Aldo Elias, presidente da Câmara Argentina de Turismo.

O Brasil é o país para onde os argentinos mais viajam. Por ano, o receptivo brasileiro tem nos 2,5 milhões de turistas argentinos, o principal turista estrangeiro no Brasil.

A maior parte da temporada do verão de 2020 já foi vendida nas últimas semanas, mas o consumo dos argentinos, depois que chegarem ao Brasil, será mais contido neste ano porque custará 30% mais caro. Além disso, o próprio real também se valorizou nos últimos dias.

"A medida pode beneficiar o turismo doméstico argentino no plano imediato, mas, ao longo prazo, prejudica os investimentos no setor. A atividade turística é um equilíbrio entre o emissivo e o receptivo. Se um voo chega à Argentina lotado, mas não sai com argentinos, a equação não fecha para a companhia aérea. Cancela-se a rota, interrompe-se a conectividade e os destinos argentinos ficam sem público. No final, perdem todos", indica Elias.

Taxação sobre agricultura, a galinha dos ovos de ouro

"Há 7 mil empresas exportadoras e 6.500 são pequenas e média que viajam fazendo investimentos de exportação e inserção de comércio exterior. Investem em vender mais ao exterior e agora o governo as penaliza", observa o economista Marcelo Elizondo, diretor da consultoria Desenvolvimento de Negócios Internacionais (DNI), um dos maiores especialistas em exportações da Argentina.

O governo decidiu sobretaxar a galinha dos ovos de ouro: o setor agropecuário exportador. Foi anunciado um aumento das tarifas sobre as exportações agrícolas. Os exportadores de soja pagavam 24,5%; passam a pagar 30%. Trigo e milho pagavam 6,5%; agora, 12%. Carnes, leite em pó e farinhas, 9%.

E o presidente Alberto Fernández já avisou que esses números são apenas uma atualização e que vai negociar com o setor um aumento ainda maior. Os produtores agropecuários estão indignados e advertem que essas medidas vão levar o setor a produzir menos.

"Vejo aí uma tensão incipiente. Alberto Fernández tem um problema político. Herda a carga de 12 anos de 'kirchnerismo'. Essa mochila é vista pelas entidades rurais com desconfiança", sublinha Elizondo, em referência ao conflito entre o então governo Kirchner e as entidades rurais, que manteve o país em suspense durante quatro meses no começo de 2008, quando Cristina Kirchner, hoje vice-presidente, assumia o seu primeiro mandato com aumento de impostos ao setor agropecuário.

"Quando os produtores agropecuários forem comprar os insumos importados para produzir, vão pagar o dólar 30% mais caro. Também os que produzem têm alto custo por inflação e custos dolarizados. Isso vai afetar muito o setor agrícola e vai impactar na confiança, base para os negócios", prevê Elizondo.

O governo também vai aumentar o imposto aos bens pessoais (a alíquota inicial passa de 0,25% a 0,50% e chega a 1,25%), uma espécie de imposto sobre a fortuna. Só que os afetados não são milionários. Quem tiver uma segunda propriedade acima de US$ 33 mil, será atingido pelo imposto.

"É um imposto à classe média. E a classe média na região está muito pressionada com alta pressão tributária. Na Argentina, essa classe média é cada vez é menor. A pressão tributária tira da economia o dinheiro que seria gasto em consumo", avisa Damián Di Pace.

Além disso, quem tiver ativos no exterior, como um apartamento, terreno ou conta bancária, vai pagar ainda mais: 1,75%. Se repatriar o valor, recebe um benefício.

Bônus para aposentados precários

Dois grupos vão receber uma espécie de bônus de fim-de-ano: os aposentados que ganham o valor mínimo e os beneficiários de planos de assistência social.

Já os aposentados em geral terão o índice para o cálculo do benefício modificado, inferior ao que é hoje. Até que esse novo índice não seja definido, pelos próximos seis meses, os reajustes serão decididos pelo governo e por decreto.

Também pelos próximos seis meses, não haverá aumentos nas tarifas de serviços públicos. Energia elétrica, água e gás com tarifas congeladas, apesar da alta inflação que deve fechar o ano em 54%.

Os pequenos e médios empresários serão beneficiados com um plano de pagamento do que devem ao Fisco. Terão seis meses de graça, 10 anos de prazo e taxas de juros pela metade.

Mas todos os empresários do país que demitirem funcionários sem justa causa pelos próximos seis meses deverão pagar dupla indenização. A medida visa inibir os empresários a demitirem, mas pode ter o efeito contrário: também inibir que contratem.

Apesar das inúmeras mudanças, especialistas estimam que a economia do país deve ficar em ponto morto, pelo menos, até o segundo semestre de 2020. "O governo disse que haveria um plano econômico consistente e coerente. Mas, até agora, o que temos visto são medidas isoladas que desorientam", conclui Marcelo Elizondo.

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